Thursday 16 December 2010

Senseless Linen!



Shakespeare's 'Cimbeline' extract _ Seen on video_ João Grembecki: Maria Sobral: Brian Stirner - RADA, UK.

Happier therein than I.
And that was all?
Thou shouldst have made him
As little as a crow, or less, ere left
To after-eye him
I would have broke mine eye-strings, crack'd them, but
To look upon him
I did not take my leave of him, but had
Most pretty things to say
Or ere I could give him that parting kiss
Betwixt two charming words, comes in my father
And like that tyrannous breathing of the north
Shakes all our buds from growing
Those things I bid you do, get them dispatch'd
I will attend the queen

Thursday 14 October 2010

'Preste Se Ao Seu Ofício'



câmera_ Niti Merhej, Fabio Almeida._. vozes_ Grupo de Videopoesia Casa das Rosas

'Você é um corpo, nada mais que um corpo. Abstenha se dessa emoção, dessa busca por compaixão, busca pela humildade alheia. O seu ofício é ser um corpo que obedece ao comando de algo que talvez nem entenda. E nem deve entender, somente obedeça'. E o corpo subia e descia, rodopiava, encolhia, contraía, expandia e movia se seguindo às ordens. Não havia ninguém ali, o algoz era imaginário, porém criativo. O corpo queria a criatividade e submetia se ao que viesse pelo caminho. Ainda que o nó no pescoço esteticamente fosse perfeito, a sensação sufocava. Queria falar, e 'não pode falar. você não está aqui para isso'. E o modelo vivo na aula de arte era somente um corpo escolhido entre tantos outros para ser um corpo. Ao fim de 35 minutos de exposição, o corpo, com sorte, teria o oferecimento de um café por parte de um dos seus observadores, para continuar por mais 35 minutos outra rodada de exibição silenciosa. Desta vez, uma menina mais doce ofereceu um chá verde com ginseng. 'Uma bomba de energia natural', ela advertiu. Ele tentou o diferente, experimentar a solicitude ao invés do esporro. Ficou contente, o chá revigorou com mais certeza, por ter sido oferecido com mais amor. Entendeu o valor do sentimento sólido, que preenchia. Quis mais, e aí pode falar. Disse que queria 'mais'. 'Vamos nos ver outra vez? Mais um pouco?', pediu. Recebeu um olhar e um sorriso que não expressavam nem um 'talvez'. Simplesmente, evocavam contentação sem resposta. Jogaram os copos plásticos no lixeiro'plástico'reciclável e voltaram às suas posições tendo como meio de ligação o corpo. O corpo que pertencia a ele, o corpo que ela observava e desenhava com atenção. Somente um corpo. Sem emoção, sem olhar, sem nada o que dizer. Somentesó um corpo.

Wednesday 13 October 2010

Dirigia A Vida Dela Como Dirigia Um Filme



câmera_ Lara Zanatta .-. aparição vídeo_ Philippe Barcinsky, Maria Sobral, Zé Padilha, Shedi

Marcava os passos, os gestos, consertava as suas falas, pedia uma repetição de ação sem cansaço, retocava a sua face, e justificava: é para fazê-la melhor. Ela até gostava. Não da obsessão alheia, mas de transgredir a mesma. Adorava fugir e quando o aramado e a atenção redobrava, ela fugia para o mais longe possível. Sutilmente. Ele, ao redor, sempre procurando e ela sempre falsamente atendendo às suas perguntas. Dissimulação era a chave de tudo. A vida paralela criada por ela certamente o enlouqueceria, àquele louco-mor, experimentado pelo mundo, desbravador de califórniasrolls e tragos de meias noites. A razão era dele, no entanto, e restava à ela a fuga, embuída do código, do mistério. E absorveu o hábito de muito por costume mentir. Discutia todas as suas conversas mentirosas com apuro de pensamento, tinha designado para si a políticaideologia de vida do raro acesso à verdade. Todos diriam que a conheciam muitíssimo bem, inclusive ele, o seu mais íntimo lado. E ela saberia quem disse o quê do seu pormenor detalhe pessoal através da mentira repassada. Identificaria a fonte da informação imediatamente, sem remorsos. Não queria dar amostras de verdade a ninguém que não fosse suprasumamente selecionado, 'fodam-se estes achistas todos!'. Choraria se preciso para defender a mentira, com veemente dissimulação. E com sua máquina fotográfica sairia à procura do que queria, escondendo as revelações em papel fosco debaixo da cama em horários premeditados, de acordo com a 'loucura' rotineira do lado íntimo. Aquele seu lado onipresente, controlador, ignorante e estimulante que tinha horários de cerco previsíveis e monitoráveis e, na verdade, não sabia nada de nada. E pensava que sabia tudo. Reinava aí, sim, a mais deliciosa, secreta e perversa observação.

Wednesday 22 September 2010

DEsconheciDO

Nesse Desdém Com O Nó Feito
'Desconoces' O Efeito
De Com Voz O Desconhecido
Este Teu Desconhecimento

E Se Me Conhecesses
Saberias Quantos 'Esses'
Eles Seriam De Longe
E O Pouco Encanto Que Os Tange

Não Conheces Bem Meu Rosto
Olhas De Soslaio, Amuado, Em Desgosto
Só Porquê Não Conheces Bem Uma
Ou Porquê Não Sabes Para Onde Isto Ruma

Desconheces O Sentimento
Inventas Desculpas Sem Nenhum Intento
Frio, Loopapático, Desconhecido
Só Para Não Ter O Nosso Ungido

Foges Para Onde Eu Não Conheça
Adiantas Todas Tuas Estranhezas
Fazes Desafio De Papo Em Decassílabos
Pura Barreira Falsa De Estribilhos

E Se Tentas Conhecer O Que Não Sabes?
Porventura Eu Te Encontro Até Em Outra Cidade
O Desconhecido, Sabes, Não É Intangível
Se Acreditares Pode Até Ser Incrível

Tuesday 21 September 2010

Meu Calor



Meu Calor
???????
Está
Vc
??????

Ando, Ando, Ando, Ando
A Pé
Aos Pés
Ando, Ando, Ando, Ando

Passo Mal!!!

E Nada
?

Thursday 16 September 2010

O Cheiro De Breu

Era dele. O violinista era emocionante. Tinha aprendido com o seu professor infantil que nenhuma perturbação o tiraria da linha musical. E assim foi sempre de uma concentração extrema para a arte. Nenhuma porta alheia aberta à desventura o tiraria do seu prumo musical. Ritmicamente, ele tinha um pé sempre a diposição em compasso simples quatro por quatro. Bastava-lhe. Andava timididamente pelas ruas, pegando ônibus por falta de luxo, e as meninas o ignoravam. Ele não era sensível para o sensual. Era sensível para a arte. A arte e os artistas o reconheciam como promissor. Não as meninas. Aquela trouxinha de pano sintético envolvida em breu Pirastro estava em mãos como digitais. O cheiro impresso como definitivo. Seu violino quatro por quatro não tocava maravilhas mas era um vintage russo. Uma relíquia. O arco não era original mas ninguém notaria isso caso ele estudasse um pouco mais e fosse mais rápido e ágil na sustentação do braço. Os minuetos de Bach tinham pouca importância, mas na escola ele adorava mostrar uma partitura aos mais sabidos e perguntar se ao começar daquela música o arco iria rumar para cima, ou para baixo. Era o crucial do musical para o instrumento, a técnica do artista. A sincronização do movimento é imprescindível para ele, o pequeno violinista. Afinal, qualquer arte que envolva corpo, e não somente mente, começa-se cedo. O violinista ganhou uma bolsa e do Nordeste foi diretamente para Zurique, Suíça. Poucos entenderam. Mas, também ínfimos estudaram. Então, não havia o que entender. Na estratégia do violinista não havia a divindade de nenhum santo envolvida. Havia apenas a dedicação, a ignorância dos sons alheios, a coreografia dos movimentos de arco, e o sentimento pelas notas. Aí, sim. Ela poderia fechar os olhos, estudar oito horas por dia, esfolar seus dedos, não ter unhas, chorar ao não conseguir uma nota dedilhada sem a devida marcação, insistir um pouco mais e dormir. Ao acordar, ele sentiria um silêncio insuportável, comeria, leria, estudaria e não saberia o que faltava. Até que tocasse..... E tudo faria sentido outra vez.

Monday 6 September 2010

Não Haveria Ensaio, Trabalho Ou Estudo



vídeo_ grupo de estudos Capobianco - Intercâmbio Sinisterra


Que tirasse da mente daquela mulher o pequeno livro dos 'Coquetéis Oficiais'. Aquele pequeno livro um dia mostrado pelo bartender do estabelecimento do seu noivo era a sua atual obsessão. Desde que tinha chegado de Salvador e tentava ser o que realmente queria ser dedicava-se ao seu crescimento pessoal e até tinha outros livros mais importantes na cabeça. Porém, também desde a chegada daquele comerciante da boêmia em sua vida, com seus livros acompanhados de uísque lidos no balcão de mármore do seu estabelecimento intelectual, a leitura mínima tinha tomado uma proporção estrondosa entre ofertas de drinks e beijos. A obsessão não foi por sua vocação em apreciar a leitura de qualquer texto, inclusive a explicativa dos drinks, e sim pela representação do domínio que aquele livro exercia no negócio do seu noivo. O mesmo já estava empreendido em outros negócios com aquele indo já tão bem. Drinks ainda representavam grande parte do lucro da bar. E ela, perdendo território e atenção antes mesmo do casamento oficial, desesperava-se achando que o manual 'Coquetéis Oficiais' seria o retorno de sua glória. Glória de noiva e futura mulher indispensável. Na leitura dinâmica daquelas folhas notou que não havia um drink feito de suco de beterraba no manual de químicas tragáveis oficial. Perguntava ao bartender se ele teria um outro conhecimento de um drink feito com o suco da beterraba, enquanto o noivo ao seu lado realmente preocupava-se com o caixa, as cadeiras vazias e a administração das mesas do bar. Além da aparência das outras mulheres que frequentavam o seu lugar intelectual. Por insegurança, largou todos os ensaios, trabalhos, estudos, buscas da verdade pessoal para uma intensa semana de 'estágio' nos negócios do noivo. Planejava ser a dona do contracheque daquele futuro lar, quando o mesmo existisse, planejava prender o seu homem através do que para ele era importante, o tal fluxo do caixa. Depois dessa semana, resolveu assumir a gerência temporária do lugar e tornava-se a hostess mais baiana, decotada, intelectualizada, brasileira e agradável daquele lugar. E poucos eram os tempos em que se sentava ao balcão acompanhando o noivo em leituras laceadas de uísque, margarita e mojito. O bartender, outrora amigo, agora odiava a nova gerente que ainda tentava a inovação do drink de beterraba às vezes rindo do fato de que nem o dono do lugar aguentava aquela obsessiva de bolsa enorme a tiracolo e idéias muito delegáveis, contudo pouco executáveis. Nem notava que de nada tinha adiantado a resolução em aprender todos aqueles drinks, misturas, químicas. Era inútil. O que antes era um esforço de amor, companheirismo tinha tornado-se a obrigação de trabalhar para o que ainda não tinha feito dela o que a modos antigos diria-se 'uma mulher honesta'. Enquanto fechava aquele caixa todas as noites, imaginava onde estaria o verdadeiro dono daquele lugar e do seu sentimento deixando mensagens educadas, calmas e desesperadas de 'por favor, liga para mim' nas três caixas postais do outrora amante atencioso. Pensava agora em pedir sociedade do lugar, e tinha a curiosidade consigo mesma de saber se esse pedido poderia ser feito antes ou depois do tal prometido casamento, com medo que isso fosse talvez a ruína dos seus planos. E enquanto isso, presa ao balcão do bar que tanto quis comandar outras vezes, imaginava onde estava o que a oferecia os mais lindos drinks e a levava para casa ébria após a leitura em público de dez agradáveis páginas dos livros que realmente significavam o seu máximo pessoal. Sentia falta do ensaio, do trabalho árduo não remunerado, do estudo e lamentava. Olhou-se no espelho e viu o que era agora. Uma mera dedicadíssima gerente de bar que desesperadamente, e às vezes, dormia com o dono ausente. E assim foi o início do que viria por anos e anos de trapaça e golpes. E assim foi o início do caixa dois...

Wednesday 1 September 2010

Tuesday 31 August 2010

Essa Vida É



câmera_ Eladia Martín Sánchez manipulação_ Maria Sobral

Wednesday 25 August 2010

Queria Voltar Para Casa



Pertencer ao seu par, ficar protegida. Mas tinha que sair todas as noites. Dispensava os telefonemas, sumia na noite, misturava-se entre os notívagos e os inquietos, entre os boêmios e trabalhava pelas noites todas afora dispensando a sua própria casa. Sentia falta da casa e ao mesmo tempo desprezava aquele lugar monótono. Não tinha um par, culpava a singularidade do seu momento, assumia que não conseguiria se dedicar a um duo, e ainda assim queria voltar para casa. Quando estava fora de casa, pensava em quem estaria em casa naquele momento. Assim que punha os pés fora de casa, pensava no que havia esquecido dentro do lar e hesitava em continuar no passo apressado, em frente. E quando passava horas fora do lugar onde somente a sua chave trancava, e mais nenhuma outra, no seu local de proteção daquela obsessiva exposição. O tema era apenas a falta de uma cópia útil. Se perdesse aquele molho de objetos, teria que chamar o Seu ou São Sebastião arrombador de portas, o chaveiro da vizinhança. Sentia falta da primeira casa, da segunda, da terceira e já não sabia se queria voltar para a quarta. O que seria uma casa? Titubeou ao responder, ponderou, teria conhecimento da denominação da palavra? Saberia desenhar um significante da mesma, porém, e o significado? E ligava para todos que estavam em casa em um domingo noturno para que saíssem com ela. E vivessem e esquecessem o opressivo pensamento de uma casa.

Wednesday 18 August 2010

Qual Seria A Relevância



De uma pedrinha de gelo a mais em um suco de laranja dentro de uma noite fria? Já que a servente daquela padaria a havia oferecido como cortesia, talvez, a relevância fosse a de um 'porquê não?', 'será? porquê não me servir mais?'. Aquela pedrinha a mais nem faria diferença naquela taça de suco de laranja. E a menina ruiva, ainda acostumada com as ofertas bondosas da vida na casa da sua mãe, achava que qualquer extensão de uma oferta na rua deveria ser aceita. Ao lado da menina ruiva falante estavam os que tinham pressa em matar a fome, em transcrever algo da mente em papel ou apenas pressa em ter o produto em mãos, pagar no caixa do estabelecimento e satisfazer a família com o pão da noite. E quantos segundos da atendente ocupada seriam gastos nesta 'uma pedrinha a mais'? Para a menina ruiva isso pouco interesava. Após a padaria, ela também encontraria duas novas pessoas na recepção do seu curso noturno e antes de entrar em sala de aula, entendendo que as duas eram xarás, perguntaria a elas qual das duas 'teria um apelido' enquanto ela continuaria a ser chamada pelo seu nome completo. Ela ainda seguiria para uma aula na qual não entenderia nada e, constantemente, faria perguntas sobre os movimentos corporais passados pelo professor querendo saber se a sua coluna vertebral seria benificiada com aquela posição, ou não. A menina de mentalidade receptora e superior ainda formaria parte de um trio dentro do seu grupo e tentaria dar as ordens do exercício aos dois outros sem escutá-los. Emitiria também ao final a primeira visão do que teria achado do exercício. Por ter dezenove anos de idade, ela teria dito que aprendeu em casa, ou nos modos de tratamento entre si dos seus familiares a ser tão 'despachada' como alguém a caracterizou. 'Todo mundo lá em casa é assim', dizia alto. O que acontecia fora da sua casa não existia ainda, porquê ela ainda aos dezenove estava em fase de formação mental, sem prática de trabalho ou vivência independente. Comparada aos dezenove anos de outros jovens em outros mundos, já estava até bem defasada mentalmente. Provavelmente, assim continuaria até os seus vinte e cinco anos de idade ou mais: uma gerente de uma 'empresa' familiar. Não era em tudo desprovida de sentimento pelo social de classe mais baixa que a sua. Sentia até uma 'pena' da vida dura dos outros. Mas, enfim, não sentia pena o suficiente para recusar uma pedrinha de gelo a mais, ou qualquer outra coisa maior que a tentassem oferecer. Alguém a perguntou se ela entendia o verbo usurpar. Ela confundiu-se na resposta, e quase a acertou no significado. A ruiva era o exemplo comum do desperdício da sua própria cidade. Fosse em uma pedrinha de gelo, fosse em um resto de comida no prato, fosse em uma oportunidade que a outrem teria servido melhor do que a ela mesma. Ela tinha vindo ao mundo para ruivasuperioramente usufruir de todas as possibilidades que a oferecessem. E não sairia nunca perdendo. Nem mesmo uma mera pedrinha de gelo em um suco de laranja.

Monday 16 August 2010

Aquele Casal Emo




Na verdade, considerava-se gótico e inteiramente punk. Dois em pós adolescência sentindo vontade de chorar e espernear por sentirem-se sozinhos, morando em casas de pais e mães em estado avulso ou conjunto por conveniência, em um mundo hostil e exibindo suas caras plácidas de entojo. Andavam pela cidade, e andavam até muito, ouvindo músicas de hardcore cantadas por moças brancas, tatuadas, de cabelos pretos lisos e piercing. Achavam que tinham o motivo mais desgraçado de uma adolescência reflexo do de fora, resultado de um intercâmbio de um ano e meio na América, ou apenas fruto de uma informação contínua provida pela lan house mais próxima às suas casas. Envolvidos em cores fortes e objetos de pelúcia em formato cortante traduziam idéias ridículas que viam como 'tendência' e não necessidade por falta de qualquer senso crítico e por terem a maleabilidade esponja dos mal educados. Andavam embuídos de revolta para com os pais proletários que cortavam as regalias dentro de uma casa que não tinha o dinheiro suficiente para a família ora incompleta em pessoas ou ora imprevista em tamanho. Andavam ainda perdidos pela cidade, eventualmente escondendo a primeira garrafa de álccol que tinham em suas mochilas pretas. O casal beijava-se nas esquinas dos shoppings até que um real e talvez verdadeiramenteatualpunkexcluídomarginalsemnadaderua roubasse o celular ou o rádio mp4 de um dos amigos da sua turma e toda a tristeza do emo dobrasse por falta de uma regalia tecnológica que não seria substituída com facilidade. E tornavam-se os dois mais emocionais a cada dia, juntos, de preto, de luto. Sabiam todas as letras em inglês das músicas do momento pensando que dominavam uma língua estrangeira com fluência através de palavras ou umas frases com cinco palavras cada. Um vocabulário restrito em língua estrangeira disfarçado de fluência. Os filhos verdadeiramente emocionais e longe de serem inconformados em um estilo punk eram filhos dos que decidiram ser pais para formar uma família tradicional e falharam quiçá em seus ideais mas, de cabeça erguida, mantinham uma casa trabalhando tanto fora ou estando em uma ausência tão constante que deixavam estes outros seres carentes. Indivíduos carentes representantes de uma nova geração sem exemplo e sem noção do ridículo, sem senso de passado e controlados apenas pela eventual hora da volta para casa e para o quarto adolescente. O casal fazia pactos de sangue sem o menor conhecimento de uma hepatite C ou uma real noção de um HIV. Não sabiam o que era brasilidade mas reclamavam do estrangeiro em qualquer viagem ao estranho, ou em uma vivência com os estranhos, os distintos. Fechados em seu próprio mundo de amor cego e exclusão, o casal emo completava-se. Os dois rodavam pela cidade e as suas unhas pintadas de negro ou azul escuro nas mãos de pele de veludo buscavam agarrar quaisquer referências que sustentassem o eterno humor apático deles. Empolgavam-se juntos quando achavam um poster, um livro que traduzisse a sua 'subcultura' torta, sem mesmo entender o que os ao redor diziam, alheios ao que acontecia no mundo real e não cibernético ou estrangeiro. Andavam sem olhar para os lados, atrevessando várias ruas correndo até que um carro os atropelou na via mais rápida que encontraram socando a mais frágil para um ponto mais distante do que o maior em tamanho. Uma morte e uma paralisia corporal parcial forçaram, de repente, um pós adolescente que pensava-se triste a oscilar entre o zyprexa e a sertralina, entre a esquizofrenia e a capacidade de manter-se forte para morrer mais sábio, quem sabe. Relembrando a idiotice de um tempo fugaz, deprimido por não ter tido regras, o outrora cuidado dos pais, e agora a namorada para amar, uma ideologia para seguir e sequer gana para viver, ou continuar a viver, em uma cidade sulista qualquer, tão limitada para ele. E encontrou o verdadeiro motivo para ser emoemocional com propriedade e em idade adulta. E começou a aprender a crescer e ser independente, daí então, finalmente.

Sunday 15 August 2010

As Lembranças




Em sono quase dormindo, em um olho que já não mirava mais nada naquela madrugada, eram avulsas. Era somente uma pálpebra aberta, unindo objetos de imaginação sem sentido. Árvore e um balanço de corda em galho espesso, rede na varanda, cor de laranja, paredes cor de cal. A umidez ao redor do olhar, fruto de um esfregado apertado de sono. E, num súbito de lembrança real, veio à mente a gargalhada mais alta que deu naquele dia, aquela antes da hora de deitar. Alguém que tinha apertado no parte mais sensível do seu corpo, provocando uma excitação que poderia ser confundida com uma cócega caso o indivíduo sentisse isso. A lembrança boa e real que fazia o olho sonolento apertar por um sorriso repentino. Sorriso de lembrança do ápice de um dia. E o sono veio junto com sonhos estranhos de bolas de futebol e daquele bêbe sufocado no plástico por falta de cuidado. E após o não salvamento daquela criança, outro homem qualquer viria e por trás faria um outro ser. Somente por fazer, por ter esperma, por poder fazer um xy como ele, ou um xx novamente. Sonhos absurdos que continuavam como abacaxis e jacas flutuantes exalando cheiro de maturidade frutífera. E carros que não engatavam, ou cachorros que não andavam em meio ao banquete farto da família ao domingo de chuva. Todos dentro das paredes cor de cal, olhando a corda molhada do balanço na árvore pela janela. E lamentando o infortúnio do bebê morto por falta de cuidados. E assim, o olho em movimento rápido tinha a fase onírica mais vívida para acordar sem nada entender no dia seguinte. Ou para simplesmente esquecer o que tinha vivido durante a noite em consciência ordinária. Por ter sido o sonho pleno da emoção muito forte. Muito mais forte do que o dia anterior com o ápice de uma única e rara gargalhada.

Sunday 8 August 2010

Corria



De tudo. Do passado torto, da toxina alcóolica, do menino que queria comê-la. Correndo assim, tanto, estava sempre suada, molhada, não apresentável. Ensopada de suor poucos a respeitavam. Quem não sua oferece mais comforto aos olhos do outro. Por não suar e conseguir com pouco esforço. Mas, correr era uma delícia. Ir rápido, ao encontro de esquinas, portas, labirintos, mesmo que todos ainda não oferecessem saída. Curiosa e ativa. Arfava querendo livrar-se de tudo, não de todos. Cinco quilômetros ainda ofereciam uma resistência ao corpo, e queria chegar aos dez, quinze. Corria para renovar as células, acelerar o pulso, incitar um movimento cardiovascular mais apaixonado. Pouco importava a pele flácida balançando, a olheira de esforço contínuo. Após a corrida, estava nova, em folha nova. E podia escrever outra estória, de pele corada e células ululantes de jovialidade e esperteza. Corria para saber que se desse errado de novo, pelo menos se salvaria correndo para bem longe.