Tuesday 31 August 2010

Essa Vida É



câmera_ Eladia Martín Sánchez manipulação_ Maria Sobral

Wednesday 25 August 2010

Queria Voltar Para Casa



Pertencer ao seu par, ficar protegida. Mas tinha que sair todas as noites. Dispensava os telefonemas, sumia na noite, misturava-se entre os notívagos e os inquietos, entre os boêmios e trabalhava pelas noites todas afora dispensando a sua própria casa. Sentia falta da casa e ao mesmo tempo desprezava aquele lugar monótono. Não tinha um par, culpava a singularidade do seu momento, assumia que não conseguiria se dedicar a um duo, e ainda assim queria voltar para casa. Quando estava fora de casa, pensava em quem estaria em casa naquele momento. Assim que punha os pés fora de casa, pensava no que havia esquecido dentro do lar e hesitava em continuar no passo apressado, em frente. E quando passava horas fora do lugar onde somente a sua chave trancava, e mais nenhuma outra, no seu local de proteção daquela obsessiva exposição. O tema era apenas a falta de uma cópia útil. Se perdesse aquele molho de objetos, teria que chamar o Seu ou São Sebastião arrombador de portas, o chaveiro da vizinhança. Sentia falta da primeira casa, da segunda, da terceira e já não sabia se queria voltar para a quarta. O que seria uma casa? Titubeou ao responder, ponderou, teria conhecimento da denominação da palavra? Saberia desenhar um significante da mesma, porém, e o significado? E ligava para todos que estavam em casa em um domingo noturno para que saíssem com ela. E vivessem e esquecessem o opressivo pensamento de uma casa.

Wednesday 18 August 2010

Qual Seria A Relevância



De uma pedrinha de gelo a mais em um suco de laranja dentro de uma noite fria? Já que a servente daquela padaria a havia oferecido como cortesia, talvez, a relevância fosse a de um 'porquê não?', 'será? porquê não me servir mais?'. Aquela pedrinha a mais nem faria diferença naquela taça de suco de laranja. E a menina ruiva, ainda acostumada com as ofertas bondosas da vida na casa da sua mãe, achava que qualquer extensão de uma oferta na rua deveria ser aceita. Ao lado da menina ruiva falante estavam os que tinham pressa em matar a fome, em transcrever algo da mente em papel ou apenas pressa em ter o produto em mãos, pagar no caixa do estabelecimento e satisfazer a família com o pão da noite. E quantos segundos da atendente ocupada seriam gastos nesta 'uma pedrinha a mais'? Para a menina ruiva isso pouco interesava. Após a padaria, ela também encontraria duas novas pessoas na recepção do seu curso noturno e antes de entrar em sala de aula, entendendo que as duas eram xarás, perguntaria a elas qual das duas 'teria um apelido' enquanto ela continuaria a ser chamada pelo seu nome completo. Ela ainda seguiria para uma aula na qual não entenderia nada e, constantemente, faria perguntas sobre os movimentos corporais passados pelo professor querendo saber se a sua coluna vertebral seria benificiada com aquela posição, ou não. A menina de mentalidade receptora e superior ainda formaria parte de um trio dentro do seu grupo e tentaria dar as ordens do exercício aos dois outros sem escutá-los. Emitiria também ao final a primeira visão do que teria achado do exercício. Por ter dezenove anos de idade, ela teria dito que aprendeu em casa, ou nos modos de tratamento entre si dos seus familiares a ser tão 'despachada' como alguém a caracterizou. 'Todo mundo lá em casa é assim', dizia alto. O que acontecia fora da sua casa não existia ainda, porquê ela ainda aos dezenove estava em fase de formação mental, sem prática de trabalho ou vivência independente. Comparada aos dezenove anos de outros jovens em outros mundos, já estava até bem defasada mentalmente. Provavelmente, assim continuaria até os seus vinte e cinco anos de idade ou mais: uma gerente de uma 'empresa' familiar. Não era em tudo desprovida de sentimento pelo social de classe mais baixa que a sua. Sentia até uma 'pena' da vida dura dos outros. Mas, enfim, não sentia pena o suficiente para recusar uma pedrinha de gelo a mais, ou qualquer outra coisa maior que a tentassem oferecer. Alguém a perguntou se ela entendia o verbo usurpar. Ela confundiu-se na resposta, e quase a acertou no significado. A ruiva era o exemplo comum do desperdício da sua própria cidade. Fosse em uma pedrinha de gelo, fosse em um resto de comida no prato, fosse em uma oportunidade que a outrem teria servido melhor do que a ela mesma. Ela tinha vindo ao mundo para ruivasuperioramente usufruir de todas as possibilidades que a oferecessem. E não sairia nunca perdendo. Nem mesmo uma mera pedrinha de gelo em um suco de laranja.

Monday 16 August 2010

Aquele Casal Emo




Na verdade, considerava-se gótico e inteiramente punk. Dois em pós adolescência sentindo vontade de chorar e espernear por sentirem-se sozinhos, morando em casas de pais e mães em estado avulso ou conjunto por conveniência, em um mundo hostil e exibindo suas caras plácidas de entojo. Andavam pela cidade, e andavam até muito, ouvindo músicas de hardcore cantadas por moças brancas, tatuadas, de cabelos pretos lisos e piercing. Achavam que tinham o motivo mais desgraçado de uma adolescência reflexo do de fora, resultado de um intercâmbio de um ano e meio na América, ou apenas fruto de uma informação contínua provida pela lan house mais próxima às suas casas. Envolvidos em cores fortes e objetos de pelúcia em formato cortante traduziam idéias ridículas que viam como 'tendência' e não necessidade por falta de qualquer senso crítico e por terem a maleabilidade esponja dos mal educados. Andavam embuídos de revolta para com os pais proletários que cortavam as regalias dentro de uma casa que não tinha o dinheiro suficiente para a família ora incompleta em pessoas ou ora imprevista em tamanho. Andavam ainda perdidos pela cidade, eventualmente escondendo a primeira garrafa de álccol que tinham em suas mochilas pretas. O casal beijava-se nas esquinas dos shoppings até que um real e talvez verdadeiramenteatualpunkexcluídomarginalsemnadaderua roubasse o celular ou o rádio mp4 de um dos amigos da sua turma e toda a tristeza do emo dobrasse por falta de uma regalia tecnológica que não seria substituída com facilidade. E tornavam-se os dois mais emocionais a cada dia, juntos, de preto, de luto. Sabiam todas as letras em inglês das músicas do momento pensando que dominavam uma língua estrangeira com fluência através de palavras ou umas frases com cinco palavras cada. Um vocabulário restrito em língua estrangeira disfarçado de fluência. Os filhos verdadeiramente emocionais e longe de serem inconformados em um estilo punk eram filhos dos que decidiram ser pais para formar uma família tradicional e falharam quiçá em seus ideais mas, de cabeça erguida, mantinham uma casa trabalhando tanto fora ou estando em uma ausência tão constante que deixavam estes outros seres carentes. Indivíduos carentes representantes de uma nova geração sem exemplo e sem noção do ridículo, sem senso de passado e controlados apenas pela eventual hora da volta para casa e para o quarto adolescente. O casal fazia pactos de sangue sem o menor conhecimento de uma hepatite C ou uma real noção de um HIV. Não sabiam o que era brasilidade mas reclamavam do estrangeiro em qualquer viagem ao estranho, ou em uma vivência com os estranhos, os distintos. Fechados em seu próprio mundo de amor cego e exclusão, o casal emo completava-se. Os dois rodavam pela cidade e as suas unhas pintadas de negro ou azul escuro nas mãos de pele de veludo buscavam agarrar quaisquer referências que sustentassem o eterno humor apático deles. Empolgavam-se juntos quando achavam um poster, um livro que traduzisse a sua 'subcultura' torta, sem mesmo entender o que os ao redor diziam, alheios ao que acontecia no mundo real e não cibernético ou estrangeiro. Andavam sem olhar para os lados, atrevessando várias ruas correndo até que um carro os atropelou na via mais rápida que encontraram socando a mais frágil para um ponto mais distante do que o maior em tamanho. Uma morte e uma paralisia corporal parcial forçaram, de repente, um pós adolescente que pensava-se triste a oscilar entre o zyprexa e a sertralina, entre a esquizofrenia e a capacidade de manter-se forte para morrer mais sábio, quem sabe. Relembrando a idiotice de um tempo fugaz, deprimido por não ter tido regras, o outrora cuidado dos pais, e agora a namorada para amar, uma ideologia para seguir e sequer gana para viver, ou continuar a viver, em uma cidade sulista qualquer, tão limitada para ele. E encontrou o verdadeiro motivo para ser emoemocional com propriedade e em idade adulta. E começou a aprender a crescer e ser independente, daí então, finalmente.

Sunday 15 August 2010

As Lembranças




Em sono quase dormindo, em um olho que já não mirava mais nada naquela madrugada, eram avulsas. Era somente uma pálpebra aberta, unindo objetos de imaginação sem sentido. Árvore e um balanço de corda em galho espesso, rede na varanda, cor de laranja, paredes cor de cal. A umidez ao redor do olhar, fruto de um esfregado apertado de sono. E, num súbito de lembrança real, veio à mente a gargalhada mais alta que deu naquele dia, aquela antes da hora de deitar. Alguém que tinha apertado no parte mais sensível do seu corpo, provocando uma excitação que poderia ser confundida com uma cócega caso o indivíduo sentisse isso. A lembrança boa e real que fazia o olho sonolento apertar por um sorriso repentino. Sorriso de lembrança do ápice de um dia. E o sono veio junto com sonhos estranhos de bolas de futebol e daquele bêbe sufocado no plástico por falta de cuidado. E após o não salvamento daquela criança, outro homem qualquer viria e por trás faria um outro ser. Somente por fazer, por ter esperma, por poder fazer um xy como ele, ou um xx novamente. Sonhos absurdos que continuavam como abacaxis e jacas flutuantes exalando cheiro de maturidade frutífera. E carros que não engatavam, ou cachorros que não andavam em meio ao banquete farto da família ao domingo de chuva. Todos dentro das paredes cor de cal, olhando a corda molhada do balanço na árvore pela janela. E lamentando o infortúnio do bebê morto por falta de cuidados. E assim, o olho em movimento rápido tinha a fase onírica mais vívida para acordar sem nada entender no dia seguinte. Ou para simplesmente esquecer o que tinha vivido durante a noite em consciência ordinária. Por ter sido o sonho pleno da emoção muito forte. Muito mais forte do que o dia anterior com o ápice de uma única e rara gargalhada.

Sunday 8 August 2010

Corria



De tudo. Do passado torto, da toxina alcóolica, do menino que queria comê-la. Correndo assim, tanto, estava sempre suada, molhada, não apresentável. Ensopada de suor poucos a respeitavam. Quem não sua oferece mais comforto aos olhos do outro. Por não suar e conseguir com pouco esforço. Mas, correr era uma delícia. Ir rápido, ao encontro de esquinas, portas, labirintos, mesmo que todos ainda não oferecessem saída. Curiosa e ativa. Arfava querendo livrar-se de tudo, não de todos. Cinco quilômetros ainda ofereciam uma resistência ao corpo, e queria chegar aos dez, quinze. Corria para renovar as células, acelerar o pulso, incitar um movimento cardiovascular mais apaixonado. Pouco importava a pele flácida balançando, a olheira de esforço contínuo. Após a corrida, estava nova, em folha nova. E podia escrever outra estória, de pele corada e células ululantes de jovialidade e esperteza. Corria para saber que se desse errado de novo, pelo menos se salvaria correndo para bem longe.