Monday 6 September 2010

Não Haveria Ensaio, Trabalho Ou Estudo



vídeo_ grupo de estudos Capobianco - Intercâmbio Sinisterra


Que tirasse da mente daquela mulher o pequeno livro dos 'Coquetéis Oficiais'. Aquele pequeno livro um dia mostrado pelo bartender do estabelecimento do seu noivo era a sua atual obsessão. Desde que tinha chegado de Salvador e tentava ser o que realmente queria ser dedicava-se ao seu crescimento pessoal e até tinha outros livros mais importantes na cabeça. Porém, também desde a chegada daquele comerciante da boêmia em sua vida, com seus livros acompanhados de uísque lidos no balcão de mármore do seu estabelecimento intelectual, a leitura mínima tinha tomado uma proporção estrondosa entre ofertas de drinks e beijos. A obsessão não foi por sua vocação em apreciar a leitura de qualquer texto, inclusive a explicativa dos drinks, e sim pela representação do domínio que aquele livro exercia no negócio do seu noivo. O mesmo já estava empreendido em outros negócios com aquele indo já tão bem. Drinks ainda representavam grande parte do lucro da bar. E ela, perdendo território e atenção antes mesmo do casamento oficial, desesperava-se achando que o manual 'Coquetéis Oficiais' seria o retorno de sua glória. Glória de noiva e futura mulher indispensável. Na leitura dinâmica daquelas folhas notou que não havia um drink feito de suco de beterraba no manual de químicas tragáveis oficial. Perguntava ao bartender se ele teria um outro conhecimento de um drink feito com o suco da beterraba, enquanto o noivo ao seu lado realmente preocupava-se com o caixa, as cadeiras vazias e a administração das mesas do bar. Além da aparência das outras mulheres que frequentavam o seu lugar intelectual. Por insegurança, largou todos os ensaios, trabalhos, estudos, buscas da verdade pessoal para uma intensa semana de 'estágio' nos negócios do noivo. Planejava ser a dona do contracheque daquele futuro lar, quando o mesmo existisse, planejava prender o seu homem através do que para ele era importante, o tal fluxo do caixa. Depois dessa semana, resolveu assumir a gerência temporária do lugar e tornava-se a hostess mais baiana, decotada, intelectualizada, brasileira e agradável daquele lugar. E poucos eram os tempos em que se sentava ao balcão acompanhando o noivo em leituras laceadas de uísque, margarita e mojito. O bartender, outrora amigo, agora odiava a nova gerente que ainda tentava a inovação do drink de beterraba às vezes rindo do fato de que nem o dono do lugar aguentava aquela obsessiva de bolsa enorme a tiracolo e idéias muito delegáveis, contudo pouco executáveis. Nem notava que de nada tinha adiantado a resolução em aprender todos aqueles drinks, misturas, químicas. Era inútil. O que antes era um esforço de amor, companheirismo tinha tornado-se a obrigação de trabalhar para o que ainda não tinha feito dela o que a modos antigos diria-se 'uma mulher honesta'. Enquanto fechava aquele caixa todas as noites, imaginava onde estaria o verdadeiro dono daquele lugar e do seu sentimento deixando mensagens educadas, calmas e desesperadas de 'por favor, liga para mim' nas três caixas postais do outrora amante atencioso. Pensava agora em pedir sociedade do lugar, e tinha a curiosidade consigo mesma de saber se esse pedido poderia ser feito antes ou depois do tal prometido casamento, com medo que isso fosse talvez a ruína dos seus planos. E enquanto isso, presa ao balcão do bar que tanto quis comandar outras vezes, imaginava onde estava o que a oferecia os mais lindos drinks e a levava para casa ébria após a leitura em público de dez agradáveis páginas dos livros que realmente significavam o seu máximo pessoal. Sentia falta do ensaio, do trabalho árduo não remunerado, do estudo e lamentava. Olhou-se no espelho e viu o que era agora. Uma mera dedicadíssima gerente de bar que desesperadamente, e às vezes, dormia com o dono ausente. E assim foi o início do que viria por anos e anos de trapaça e golpes. E assim foi o início do caixa dois...