Thursday 14 October 2010

'Preste Se Ao Seu Ofício'



câmera_ Niti Merhej, Fabio Almeida._. vozes_ Grupo de Videopoesia Casa das Rosas

'Você é um corpo, nada mais que um corpo. Abstenha se dessa emoção, dessa busca por compaixão, busca pela humildade alheia. O seu ofício é ser um corpo que obedece ao comando de algo que talvez nem entenda. E nem deve entender, somente obedeça'. E o corpo subia e descia, rodopiava, encolhia, contraía, expandia e movia se seguindo às ordens. Não havia ninguém ali, o algoz era imaginário, porém criativo. O corpo queria a criatividade e submetia se ao que viesse pelo caminho. Ainda que o nó no pescoço esteticamente fosse perfeito, a sensação sufocava. Queria falar, e 'não pode falar. você não está aqui para isso'. E o modelo vivo na aula de arte era somente um corpo escolhido entre tantos outros para ser um corpo. Ao fim de 35 minutos de exposição, o corpo, com sorte, teria o oferecimento de um café por parte de um dos seus observadores, para continuar por mais 35 minutos outra rodada de exibição silenciosa. Desta vez, uma menina mais doce ofereceu um chá verde com ginseng. 'Uma bomba de energia natural', ela advertiu. Ele tentou o diferente, experimentar a solicitude ao invés do esporro. Ficou contente, o chá revigorou com mais certeza, por ter sido oferecido com mais amor. Entendeu o valor do sentimento sólido, que preenchia. Quis mais, e aí pode falar. Disse que queria 'mais'. 'Vamos nos ver outra vez? Mais um pouco?', pediu. Recebeu um olhar e um sorriso que não expressavam nem um 'talvez'. Simplesmente, evocavam contentação sem resposta. Jogaram os copos plásticos no lixeiro'plástico'reciclável e voltaram às suas posições tendo como meio de ligação o corpo. O corpo que pertencia a ele, o corpo que ela observava e desenhava com atenção. Somente um corpo. Sem emoção, sem olhar, sem nada o que dizer. Somentesó um corpo.

Wednesday 13 October 2010

Dirigia A Vida Dela Como Dirigia Um Filme



câmera_ Lara Zanatta .-. aparição vídeo_ Philippe Barcinsky, Maria Sobral, Zé Padilha, Shedi

Marcava os passos, os gestos, consertava as suas falas, pedia uma repetição de ação sem cansaço, retocava a sua face, e justificava: é para fazê-la melhor. Ela até gostava. Não da obsessão alheia, mas de transgredir a mesma. Adorava fugir e quando o aramado e a atenção redobrava, ela fugia para o mais longe possível. Sutilmente. Ele, ao redor, sempre procurando e ela sempre falsamente atendendo às suas perguntas. Dissimulação era a chave de tudo. A vida paralela criada por ela certamente o enlouqueceria, àquele louco-mor, experimentado pelo mundo, desbravador de califórniasrolls e tragos de meias noites. A razão era dele, no entanto, e restava à ela a fuga, embuída do código, do mistério. E absorveu o hábito de muito por costume mentir. Discutia todas as suas conversas mentirosas com apuro de pensamento, tinha designado para si a políticaideologia de vida do raro acesso à verdade. Todos diriam que a conheciam muitíssimo bem, inclusive ele, o seu mais íntimo lado. E ela saberia quem disse o quê do seu pormenor detalhe pessoal através da mentira repassada. Identificaria a fonte da informação imediatamente, sem remorsos. Não queria dar amostras de verdade a ninguém que não fosse suprasumamente selecionado, 'fodam-se estes achistas todos!'. Choraria se preciso para defender a mentira, com veemente dissimulação. E com sua máquina fotográfica sairia à procura do que queria, escondendo as revelações em papel fosco debaixo da cama em horários premeditados, de acordo com a 'loucura' rotineira do lado íntimo. Aquele seu lado onipresente, controlador, ignorante e estimulante que tinha horários de cerco previsíveis e monitoráveis e, na verdade, não sabia nada de nada. E pensava que sabia tudo. Reinava aí, sim, a mais deliciosa, secreta e perversa observação.